Memória

Registros para a história

Discurso de instalação

Discurso proferido em 12 de dezembro de 2012 pelo acadêmico Jorge Henrique Vieira Santos, titular da cadeira de nº 04, primeiro Presidente da Academia Gloriense de Letras. 

Prezado senhor Vice-Presidente do Conselho Estadual de Cultura, Prof.Dr. Luiz Fernando Ribeiro Soutelo;

Prezado senhor Domingos Pascoal de Melo, neste ato representando a Academia Sergipana de Letras, em cujo nome saúdo os demais caros integrantes da mesa;

Excelentíssima Senhora Luana Michele de Oliveira Cacho, Prefeita de Nossa Senhora da Glória, em cujo nome cumprimento todas as autoridades presentes;

Minhas confreiras e confrades, membros fundadores da Academia Gloriense de Letras;

Senhoras e senhores;

Glorienses;

Pensei em iniciar minha fala afirmando que, embora nós da Academia Gloriense de Letras ainda sejamos pequenos, alimentamos grandes sonhos. A partir do confronto entre o que se é e o que se pretende ser, intentava discorrer sobre as possibilidades que, por certo, se abrirão à nossa frente em função dos propósitos que nos motivam. Falaria de nossos projetos e dos frutos que, eventualmente, estes possam vir a produzir. Anteciparia, entusiasmado,o sonho de que, no decurso dos anos, futuros grandes expoentes da literatura produzida em terras glorienses possam vir a ingressar em nosso corpo acadêmico, exaltando-o com suas obras, efetivando o anseio manifesto em nosso lema: "Ad gloriam per litteras". Falaria dos eventos latentes no desejo de realizar-se e remeteria todos aos versos profundos e concisos da lavra da ilustre poeta sergipana Iara Vieira, patronesse da cadeira de nº 04 que, honradamente, passo a ocupar, quando revela:

(...)

O segredo da minha força

Está nas asas desse pássaro

Prestes a decolar

Esperando meu consentimento.

(Poética in Esses tempos ad/versos, 1984).

Minha fala, se assim o fosse, exaltaria o porvir e suas glórias possíveis, deslocando do ato presente o foco de minhas palavras. No entanto, ressoou em minha lembrança a recomendação da inesquecível Cecília Meireles:

Não faças de ti um sonho a realizar.

Vai.

Sem caminho marcado.

(...)

(Cântico XXIII in Cânticos, 1990).

Seu alerta despertou-me para a ênfase que deveria votar à ação, em sua essência, em sua plenitude.Assim, optei por partir de um enunciado, atribuído a "Mahatma" Gandhi, que circula pela rede mundial de computadores e encerra um profundo saber. Apesar da incerteza que paira sobre sua autoria, pois a internet lança a noção de autor a novos patamares e a reconfigura, é dele que me valho agora como epígrafe de minha fala, pois muito nos revela do momento presente:

Você nunca sabe que resultados virão de sua ação, mas, se nada fizer, não existirão resultados.

Dessas sábias palavras ressaltam dois aspectos fundamentais relacionados à ação: sua imprevisibilidade e sua necessidade.Toda ação carrega em si a essência do novo, do início.Desde Heráclito, sabemos que "não nos banhamos duas vezes no mesmo rio". Mesmo quando repetido um mesmo ato, não se repete sua circunstância, nem seu agente.O caráter inaugural da ação enseja a possibilidade de inúmeras consequências e, portanto, sua imprevisibilidade. Mesmo assim, embora intangíveis os efeitos de nossos atos, agir é condição da plenitude da existência, agir é condição da própria humanidade.

A filósofa Hannah Arendt, convidando-nos a refletir sobre a condição humana, enfatiza o papel fundamental da ação ao afirmar que a inserção no mundo humano se dá somente por atos e palavras, sem os quais a própria vida, em seu sentido não biológico, não seria possível. E assevera:

Não são ideias, mas eventos que mudam o mundo.

(A Condição Humana, 2007).

Certamente, sabemos que os atos realizam aquilo que os sonhos já haviam antecipado. Contudo, a transformação, de fato, resulta da ação, que além de seu caráter imprevisível, "tende a violar todos os limites e transpor todas as fronteiras" (ARENDT, 2007).

A título de ilustração, permitam-me retomar aqui uma alegoria que elaborei para me referir ao nosso inesquecível Padre Leon Gregório, Patrono maior de nossa AGL, quando, em janeiro de 2011, este partia para o plano superior. Naquela reflexão eu enfatizava que não apenas sua vida, mas, sobretudo, sua ação trouxe uma renovação e uma transformação do mundo e, para me fazer entender, disse que, da mesma forma, quando atiramos uma pedrinha no imenso mar, este se torna um novo mar, a um só tempo igual e diferente de si mesmo. Embora vejamos as mesmas águas, elas passam a guardar um segredo recôndito em suas profundezas. A novidade do mar é conter uma pedra a mais.

Cada ser humano que nasce revigora o mundo como uma nova pedrinha depositada nas profundezas da vida. Algumas delas, no entanto, permanecem imóveis no fundo do oceano, fixas e acomodadas num único lugar. Embora sejam a essência da novidade, não produzem, no decurso dos anos, mudanças de grande alcance. Outras entendem a linguagem das águas e não se imobilizam, mas rolam. Seu movimento interfere no próprio movimento das águas que as envolvem, modificando marés futuras. As pedras que se movimentam, às vezes, agrupam-se em volumes enormes e, unidas, edificam barreiras nas profundezas. Barreiras assim são capazes de mudar, definitivamente, o curso das águas.

Padre Gregório não ficou imóvel, não se permitiu ser apenas uma pedrinha estática no oceano, mas moveu as águas. Suas palavras e atos puseram em movimento sua vida. Foi o que disse e fez em sua jornada que determinaram o alcance da renovação do mundo que seu tempo de existência entre nós teve o poder de produzir. É do poder dessa ação que busco tratar aqui, ação que desencadeia dispersas reações e se propaga ilimitadamente produzindo transformações, modificando o curso das águas, renovando vidas. Essa ação é necessária. Por isso estamos aqui.

Para compreendermos o imprevisível alcance e a necessidade da ação que inauguramos e atualizamos neste momento, é preciso que lancemos,rapidamente,o olhar ao passado remoto e atentemos para os jardins que abrigavam o túmulo do herói ateniense Academo. Podemos ver o pupilo de Sócrates, na esteira dos passos de seu mestre, a inquirir questões do saber aos seus discípulos. Não suspeitava Platão, quando fundava sua escola filosófica na magnânima Grécia, de que sua ação singular teria reflexos dispersos e longínquos,muitos séculos depois, na ação do cardeal de Richelieu, na França, e que esta, por sua vez, atravessaria o oceano e também ecoaria no Brasil, na iniciativa do ilustre grupo ciceroneado pelo magistral Machado de Assis. Tampouco suspeitava o filósofo de que tais reflexos, propagados ad infinitum, chegariam às terras de Serigy motivando a plêiade liderada pelo poeta Antônio Garcia Rosa e, finalmente, alcançariam o alto sertão sergipano, tendo sido evocados pelos atos e palavras de um admirável amante das letras, senhor Evando Santos, e mobilizariam oito idealistas,culminando no ato solene que presenciamos neste momento. Aquela ação do filósofo se dispersou e se converteu em reações que se propagaram em cadeia, todas elas sendo, ao mesmo tempo, iguais e diferentes, próximas e distantes do ato original, pois que cada uma inaugurou transformações outras, produzidas por agentes outros, em contextos outros.

E eis que em nosso lugar e em nosso tempo, diante da premente necessidade de uma ação transformadora que se nos impõe, inauguramos mais uma academia de letras no Brasil, a primeira no interior do Estado de Sergipe. O quê, além dos resquícios do ato platônico nos teria motivado?

Moveu-nos a vontade de oferecer nosso quinhão para a construção de um país de leitores. Moveu-nos o anseio de cultivar e desenvolver as letras de nossa terra, de preservar sua memória cultural e de ver democratizado e ampliado o acesso aos bens tangíveis e intangíveis produzidos em nossa língua. Moveu-nos a necessidade de revelar a riqueza de nossa literatura que ainda, para muitos, encontra-se oculta no mistério das letras. Moveu-nos o desejo de, assim como fez nosso patrono-mor, transformarmos a própria existência em instrumento para a emancipação de outros brasileiros, nossos irmãos. Moveu-nos o amor que votamos à nossa cultura. Moveu-nos a recusa em nos resignar à imobilidade, a recusa em aceitar que a realidade é da forma como a vemos e que não há o que se possa fazer para transformá-la. Não aceitaremos como saldo de nossa existência a constatação de que nada fomos, além daquela pedra inerte, depositada nas profundezas do mar, indiferente a tudo à sua volta, incapaz de agitar as águas. Moveu-nos a própria necessidade da ação. Como pregava "Mahatma" Gandhi, sejamos, pois, a mudança que desejamos ver no mundo.

Por certo, desejamos que a AGL inaugure um movimento desencadeador de reações que, propagadas no tempo, por meio das práticas de leitura e escrita, possam ajudar a promover, numa perspectiva política, cultural e filosófica, a emancipação de nosso povo. Indubitavelmente, desejamos que seja a AGL um núcleo disseminador da cultura gloriense e sergipana, que seja um polo agregador de homens e mulheres de ação, um elemento aglutinador de experiências culturais enriquecedoras. Mas como desvelar o segredo da força contida nas asas do pássaro que se prepara para o voo? Como antever das alturas o chão que ainda nos apoia os pés? Como saber o sabor do fruto que ainda repousa latente na seiva bruta? Somos donos,somente,de nossos desejos; capazes, apenas, de nossa ação.

Vamos, pois, sem caminho marcado, como nos sugere a poesia, confiantes na firmeza dos propósitos que nos movem, na verdade do anseio que nos alimenta.Não haverá resultados se nada fizermos!

É certo que a missão a que nos propomos é grave. Repousa sobre nossos ombros uma grande responsabilidade. Estejamos, pois, conscientes. Como fundadores do sodalício gloriense, havemos de ser dignos e de honrar a herança humanística, literária e cultural dos ilustres brasileiros, patronos das cadeiras que passamos a ocupar, e havemos de efetivar em atos e palavras o amor que votamos à cultura da nossa terra.

Assim, minhas confreiras e confrades, fundadores da Academia Gloriense de Letras, saibamos que nossa ação nesta noite solene não inaugura uma agremiação reservada aos seus membros, mas institui, por meio do compromisso acadêmico por nós assumido, um instrumento de disseminação das letras e da cultura, aberto a todos, voltado a todos da nossa cidade, do nosso Estado e do nosso país.

Oxalá a AGL possa, efetivamente, cumprir com os propósitos para os quais se constitui agora!

Obrigado a todos que, de alguma forma, concorreram para a realização festiva deste ato e a todos que, doravante, desejarem se somar ao nosso projeto.

Memória dos atos de criação

Discurso proferido em 12 de dezembro de 2012 e escrito pelo acadêmico Edson Magalhães Bastos Júnior, titular da cadeira de nº 05, membro fundador e 1º Secretário Geral da Academia Gloriense de Letras. 

Qual árvore de cujo caule se sustenta sobre uma intrincada rede radicular que se espraia subsolo adentro, os rizomas que guardam o surgimento de uma academia de letras no sertão sergipano, e agora integram sua historiografia, estão esparsados no tempo e no espaço. Seja o maior edifício, arranhando o céu das grandes metrópoles mundiais, ou o menor componente eletrônico, nanometricamente modelado nos circuitos computacionais, maravilhas do mundo contemporâneo, ambas as obras são filhas da inquietude, do anseio, da inspiração e da antevisão. Seus embriões invisíveis habitam o mundo das ideias, intangível para muitos de nós, mas não para todos. Aos poucos, ou por vezes de súbito, materializa-se em propósitos e objetivos, e à medida que cresce, passa a concretizar-se enquanto realização individual ou coletiva. O mimetismo presente nesta simplória metáfora da árvore nos permite compreender como se partiu de um anseio e, na velocidade da semente para o arbusto, chegamos até o presente momento.

Artistas, poetas, músicos, personalidades do município, nativos ou adotados por esta mãe acolhedora, transitando entre o solitário e o solidário, ansiavam pela criação de um espaço, uma instância que evidenciasse a tradição literária gloriense. Eis que a força da dúvida se impôs: Habemus Litteras? Havia algo a ser evidenciado? Seria suficientemente relevante para justificar a instalação de uma academia literária? Tais questionamentos figuravam como solo infértil para todos eles. Ante as incertezas da semeadura e do êxito da florescência, eis que o primeiro ato foi escrito a várias mãos: agricultores literatos, que emprestaram seus saberes, suas visões repletas de fertilidade orgânica, o adubo da fé, esperança e otimismo, regado pelas águas da experiência de quem já viu a florescência em solos difíceis. Dentre esses sábios do caminho, quão inspiradora recordamos a visita de um 'livro humano', em meados do presente ano, em um colóquio sobre literatura, organizado na casa legislativa municipal. O "Homem Livro", de codinome Evando Santos, ouviu os argumentos de um pequeno, porém pretensioso, grupo de incentivadores culturais; e, como virasse a ampulheta, no reverso de suas dúvidas, transformou a causa em consequência e a consequência em causa. Orientava: a academia não surge apenas para valorizar o que está construído, mas para construir o que possa ser valorizado. Sim! Era isso. A academia assumiria, portanto, um papel na formação da cultura literária. Não era o reconhecimento da magnitude e esplendor de uma árvore senhora de si, mas o vislumbre de toda árvore contida na semente, como potência. Uma academia popular de letras, tecida no seio da comunidade, materializada no incentivo à leitura e escrita em todas as suas formas, estilos e abordagens literárias.

A partir desse norte, passou-se a compartilhar uma meta real: instalar a Academia Gloriense de Letras até o final de 2012. Uma cadeia sucessiva de eventos permitiu o encontro de um grupo de oito indivíduos, de formações e expressões artísticas e literárias heterogêneas, porém irmanados no propósito por todos esposado: Gileide Barbosa de Souza Santos, José Ancelmo Aragão, Ramon Diego Câmara Rocha, Jorge Henrique Vieira Santos, Edson Magalhães Bastos Júnior, Euvaldo Lima dos Reis, Francisco das Chagas Vasconcelos e Maria Verônica Santana Sales. Tais confrades e confreiras compuseram a Comissão Provisória para instalação da Academia Gloriense de Letras, criada na primeira reunião ocorrida em sete (07) de Julho de 2012. As reuniões subsequentes objetivaram criar seus marcos legais e estatutários. Discutiu-se, portanto, sobre a missão e visão, estrutura e funcionamento e demais aspectos de sua lei orgânica, bem como a interação com a sociedade local. Em 12 de setembro de 2012, a AGL passa a existir sob o registro de número 1091, Livro nº. A-18, fls. 157 a 160 do Cartório de registro de títulos de Nossa Senhora da Glória.

Nessa breve trajetória, o intercâmbio com outras academias literárias foi basilar. Indispensável ressaltar aqui o apoio da Academia Sergipana de Letras, Academia de Letras de Teófilo Otoni, Academia Brasileira de Letras, Academia de Letras de Cabo Frio. Além dos referidos sodalícios, o grupo recebeu apoio de várias personalidades da cultura sergipana e gloriense.

Ao grupo dos oito idealistas, coube a responsabilidade de dirigir executivamente a instituição pelo primeiro biênio de sua existência e definir as regras de ocupação das primeiras cadeiras e a escolha de seus respectivos patronos e/ou patronesses, os quais serão apresentados neste ato solene. Essa etapa transcorreu seguindo uma regra mui simplória, porém segura, porque desprovida de qualquer tipo de privilégio: os números das oito cadeiras foram sorteados entre os membros, que pela condição de fundadores, escolheram cada um o seu patrono/patronesse a ser imortalizado na respectiva cadeira. Considerando a missão institucional da AGL e o contexto ora apresentado, chegou-se ao entendimento de que a integralização das trinta e duas cadeiras restantes se dará no decurso de sua atuação junto à sociedade.

Capitaneando o rol memorável de patronos, surge a figura ilustre do Padre Léon Lambert Joseph Grégoire, unanimemente aclamada por toda Comissão Provisória como Patrono do Sodalício. Belga, nascido em 1925, no ambiente rural de Barchon, próximo a Liège, sua juventude viu de perto o que uma Guerra Mundial representa para o mundo. Seu voto missionário para a Ordem Redentorista o conduziu à nação brasileira em terras sergipanas, através do convite amigo de Dom José Brandão de Castro, para combater o subdesenvolvimento humano na região do Baixo São Francisco. Se sua obra missionária nasce em terras costeiras, é no sertão que ela se completa. "Padre Gregório", carinhosamente aportuguesado pela população gloriense e sertaneja sergipana em geral, entranhou sua história à história do desenvolvimento humano e cidadão dos sertanejos, no campo e nas cidades, expressando sabedoria em forma de humildade, simplicidade e entrega, atributos raros aos seres humanos.

Defensor de uma resistência pacífica, porém nunca passiva, às injustiças e desigualdades sociais, sua persistência na luta em favor dos desfavorecidos, desprovidos de educação, cultura e cidadania, ilustra de modo prático e realístico a diferença entre passividade e pacificidade. A passividade, filha da indiferença e do individualismo, do medo e do comodismo, foi amplamente combatida pelo mestre Leon com uma "pacificidade ativa", que nos remota à "persistência pela verdade", apregoada por "Mahatma" Gandhi. Por essa razão, Grégoire sempre acreditou que a educação, em todas as suas dimensões, fosse a verdadeira pedra fundamental para uma sociedade igualitária, formada por verdadeiros cidadãos cônscios de seus direitos e responsabilidades em prol do desenvolvimento comunitário. Pela expressividade e profundidade de sua atuação no município gloriense, e em todo Alto Sertão sergipano, a celebração do presente Sodalício nesta casa de educação e cultura, que foi uma das primeiras edificadas pelo nobre patrono, tem amplo valor simbólico para a AGL, pois representa o reconhecimento de que a imortalidade de sua vida e obra social reside na continuidade de sua missão libertadora, no compromisso da perpetuação dos saberes e fazeres culturais, literários na comunidade.

A síntese dessa trajetória de criação tem seu simbolismo cunhado no lema e no brasão da academia. Seus elementos permitem compreender a formação da AGL no contexto social em que se insere. A grinalda de louros simboliza a tradição literária que se pretende valorizar e preservar. O círculo dourado ao fundo representa o Sol, que caracteriza o sertão sergipano na maior parte do ano. O livro aberto e a pena representam a cultura literária. A Lira disposta entre as penas denota a presença expressiva de poetas e músicos, entre os membros fundadores. Encimando a coroa, cunha-se o ano de sua fundação. No centro desse conjunto, sob o livro aberto, o lema "Ad Gloriam Per Litteras" repleto de salutar duplo sentido, uma vez que se propõe "Alcançar a glória pelas letras". Por fim, mas não menos importante, o símbolo @ (arroba), mundialmente associado à comunicação na Rede Mundial de Computadores (Internet), representa o encontro entre a tradição literária e a revolução tecnológica contemporânea na qual a literatura se reinventa e se perpetua.

Conferência inaugural

Palavras proferidas pelo Vice-Presidente do Conselho Estadual de Cultura, Luiz Fernando Ribeiro Soutelo, na solenidade de instalação solene da Academia Gloriense de Letras

Senhor Presidente:

Senhoras e Senhores Acadêmicos:

Com muita honra atendo ao vosso convite para participar convosco deste momento e para trazer-vos uma palavra no instante solene em que instalais a Academia Gloriense de Letras.

Antes de tudo agradeço-vos a distinção, dizendo como o poeta - e são os poetas as pessoas que dizem as expressões mais profundas com simplicidade - que agradecer não é apenas pronunciar um obrigado, mas guardar fundamente, no coração, o gesto.

O vosso está guardado, com toda certeza.

Confesso-vos que, ao receber o vosso convite, que me transmitiu o Prof. Dr. José Araújo Filho, uma amizade que formei na convivência no Conselho Estadual de Cultura -, renovado pelo eminente Presidente, por e-mail, meditei muito sobre qual o tema que traria a esta sessão solene, sessão histórica que marca a vida de Nossa Senhora da Glória, de cada um de vós e, sobretudo, a de Sergipe.

Pensei, inicialmente, em inspirar-me no discurso inaugural que Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo proferiu, com a elegância de estilo e precisão dos conceitos, na noite de 20 de julho de 1897, na sala do Pedagogium, na então Capital Federal, ao instalar-se, solenemente, a Academia Brasileira de Letras.

Cheguei mesmo, Senhores Acadêmicos, a imprimir o discurso de Nabuco. Mas, a bom tempo, compreendi que melhor seria abordar a origem das Academias e o sentido que elas têm na vida das sociedades no mundo moderno, marcado pela instantaneidade da informação, nos dias em que a INTERNET aproxima povos e culturas, em que as chamadas redes sociais moldam novas formas de relacionamento.

Espero cumprir a missão, a que me haveis convocado, sem vos cansar, a fim de que não aconteça comigo o que ocorreu, nos anos oitenta do século XIX, com Ruy Barbosa.

Comemorando-se os trezentos anos da morte de Luiz Vaz de Camões, o cantor da epopéia portuguesa da conquista de terras em África, na Ásia e nas Américas, o Real Gabinete Português de Leitura promoveu uma série de conferências. Um dos conferencistas, Ruy Barbosa, usou a tribuna durante quatro horas, cansando evidentemente o auditório, que reunia a fina flor da sociedade carioca, a começar pela Família Imperial.

Dias depois, o jornalista Carlos de Laet, com uma ponta de ironia, publicava o comentário num dos jornais da Corte: "enfim, quando Camões morreu, um suspiro de alívio passou pela platéia".

Não quero que na vossa festa, Senhores Acadêmicos, isto aconteça.

Prometo a vós que tentarei limitar minhas palavras a bem menos tempo do que o de Ruy Barbosa. Usarei, se muito, aquele correspondente a uma aula.

A ORIGEM DAS ACADEMIAS

Vivemos hoje, aqui e agora, um momento cuja origem se perde em tempos imemoriais. Suas raízes estão fincadas na Antiguidade Clássica, na lendária Grécia, na ímpar Atenas, berço da civilização e da cultura ocidentais.

Lá, a noroeste da cidade, havia um bosque de oliveiras conhecido como "jardim de Academo", lembrando o herói ateniense - Akádemos, que teria revelado a Castor e Pólux onde estava sua irmã Helena, sequestrada e levada para a Ática.

Era este local que Platão - o filósofo grego - usava para encontrar-se com seus discípulos, em tertúlias filosóficas que influenciaram o pensamento ocidental.

Mais tarde, quando a Europa - cansada do longo domínio da Igreja Católica durante a Idade Média - rompe com o teocentrismo e coloca o homem - em suas várias dimensões - como o centro do pensamento, será na eterna Grécia que se vão buscar as raízes para revivecer, sob outra dimensão, a cultura clássica.

E então surgem as primeiras academias, como a Chorus Academiae Florentinae, de Florença, consolidando o nome Academia com uma das várias acepções que damos ao termo, ou seja, a reunião de escritores, artistas, eruditos e cientistas.

Já no século XVI Clement Morot referia-se ao Collège de France como "noble academie", numa demonstração clara de que o termo se firmara na Europa.

Durante o Renascimento muitas outras vão surgir, na Itália, como a Academiae Pomponiae, sob a influência de Pompônio Leti, durante o pontificado do Papa Paulo II, a Academia della Crusca (1592), a Reale Academia Nazionale dei Lucei, dedicada ao estudo das ciências naturais e da astronomia (1603), a Royal Society (Londres) e a Académie Royale de Sciences (1666).

Contudo, senhoras e senhores, a mais conhecida, a mais famosa, de todas é a Academia Francesa congregando um grupo informal que se reunia para debates e tertúlias literárias, entre 1620 e 1630, em Paris. O Cardeal de Richelieu, importante ministro de Luiz XIII, tomaria sob sua proteção esse grupo. Em 1635 conseguiu do rei a oficialização da Academia, colocando-a sobre o beneplácito do Estado e do monarca.

A missão da Academia centrava-se no culto da língua e da literatura francesas.

A Academia Francesa, uma das cinco academias reais que passaram a existir em Paris, sofreria, como muitas áreas de ação e do pensamento, as consequências da Revolução de 1792, sendo suprimida com as demais e, em 1795, reunida ao Instituto de França. Este foi criado com o objetivo de "recolher as descobertas e de aperfeiçoar as artes e as ciências".

Reorganizado o Instituto, sob o Consulado de Napoleão Bonaparte, foi dividido em "classes" - a segunda correspondia à Academia Francesa. As academias ressurgiram sob o reinado de Luiz XVIII, ainda que sofressem o expurgo de alguns dos seus membros, ligados ao bonapartismo.

À seção de Geografia da Academia de Ciências pertenceu, como associado estrangeiro, um brasileiro: Dom Pedro II.

Aliás, foi um resfriado que sofreu no frio inverno de Paris, de 1891, quando ele saiu da Academia, aonde fora votar em Potier, que o levou à morte em 5 de dezembro daquele ano.

É a Academia Francesa, com seus ritos e seu espírito gregário, o modelo para as outras academias, mundo afora, como a Brasileira de Letras.

Portugal teria a sua Academia Real de História de Portugal, instituída por Dom João V, em 1720, a qual desapareceu em 1776, e a Academia de Ciências criada em 1779, no reinado de D. Maria I.

Dentre outros brasileiros, a integrou José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, escolhido quando andara pela terra lusa, regendo a cátedra na Universidade de Coimbra.

No Brasil, ainda que vivêssemos numa sociedade de analfabetos e de poucos letrados, sem imprensa, sem bibliotecas públicas, sem voz, com medo da Coroa, como dizia o Pe. Antônio Vieira, vicejaram algumas dessas instituições, bafejadas pelo governo colonial. Refiro-me às Academias Brasileira dos Esquecidos (1727), dos Felizes (1736), dos Seletos (1756), dos Renascidos (1759), na Bahia, e a Científica do Rio de Janeiro (1772).

Tiveram vida efêmera, mas serviram antes de tudo para mostrar que também aqui existiam as preocupações em produzir-se pensamento e literatura - ainda que limitados pela distância da Europa e pelo meio social.

Essas academias, de pura inspiração européia, eram associações literárias onde se reuniam os letrados da terra, a fim de ler seus trabalhos em prosa ou verso, e algumas vezes as reuniões adquiriram um caráter de agitação ideológica, pois chegaram a discutir os ideais revolucionários da Europa do século. Contudo, esta atitude excepcional, uma vez que na literatura não encontramos o reflexo dessas ideias, e nem de toda agitação fabulosa que dominava a colônia, política e socialmente. A posição normal dos escritores era de puro academicismo, no sentido pejorativo da palavra.

De qualquer maneira, se bem que nem sempre usadas de maneira política, as novas ideias europeias entravam no Brasil, pela importação das Academias. Aí, nestes círculos fechados, os escritores debatiam seus pontos de vista, mas eles nada influem nos acontecimentos brasileiros e nem chegaram a adquirir verdadeiro prestígio popular. [WEY, Válter. Língua Portuguesa, 10ª edição, São Paulo: Editora do Brasil, 1965, p. 35]

Em 1829, com a aprovação de Dom Pedro I, aparecia a Academia Nacional de Medicina, ainda hoje em funcionamento no Rio de Janeiro.

A ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

Entretanto, a grande instituição cultural brasileira, já no século XIX não é uma academia de letras, mas o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado por um grupo de homens de pensamento e ação, à frente dos quais se encontravam o Cônego Januário da Cunha Barbosa e o Marechal Raimundo José da Cunha Matos.

Colocado sob a proteção imperial em sua fundação em 1838 - Dom Pedro II, dizem os seus biógrafos, teria presidido a mais de quinhentas das suas sessões, o Instituto tornou-se o centro das atenções da sociedade brasileira durante o século XIX, desenvolvendo trabalhos não apenas de natureza histórica ou geográfica, mas promovendo o memorialismo, reunindo acervos, aconselhando o governo a ensejar a realização de expedições científicas, de natureza etnográfica, no País, como a chamada "comissão das borboletas" dirigida por Gonçalves Dias e que percorreu várias províncias do Império, coletando informações, mesmo que possamos fazer algumas restrições ao seu resultado.

(...) forma-se o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (O IHGB), congregando a elite econômica e literária carioca. É justamente esse recinto que abrigará, a partir da década os recantos brasileiros (...)

E, na década seguinte

(...) se afirmaria como um centro de estudos bastante ativo, favorecendo a pesquisa literária, estimulando a vida intelectual e funcionando como um elo entre esta e os meios oficiais. Assim, com seus vinte anos, a suposta marionete [Dom Pedro II] se revelaria, aos poucos, um estadista cada vez mais popular e sobretudo uma espécie de mecenas das artes, em virtude de dar autonomia cultural ao país [SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador - D. Pedro II um monarca nos trópicos, São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 126].

Considero que amplitude da ação do IHGB e dos seus congêneres nos atuais Estados fez com que se adiasse a criação de uma Academia Brasileira de Letras, ainda que sob a monarquia a ideia estivesse em discussão.

Ela iria se concretizar com a República, passados os primeiros e incertos anos de consolidação do novo regime. Coube a iniciativa a Lúcio de Mendonça e Medeiros e Albuquerque, reunindo intelectuais de vários matizes políticos - monarquistas e republicanos - históricos ou não, na Revista Brasileira.

Pensou-se, inicialmente, que a sua criação se desse por decreto do Governo. Não vingou a ideia que seria uma lástima. Atrelaria a instituição ao poder público, às ingerências mesquinhas dos políticos. Os que, mais tarde, entraram na Academia representam acidentes de percurso na vida acadêmica.

Aliás, em carta a Lúcio de Mendonça, o Visconde de Taunay, um monarquista de quatro costados, apelou para que a solenidade de instalação não se verificasse a 15 de novembro para não dar ao ato um caráter oficial.

Criada em 1896, foi instalada, numa solenidade no Pedagogium na rua do Passeio, centro da Capital Federal, teve como seu primeiro Presidente Machado de Assis que, em seu discurso, afirmou "vosso desejo é conservar, no meio da federação política, a unidade literária. Tal obra exige não só a compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância".

Como sua inspiradora - a Francesa - foi constituída por quarenta cadeiras, cada uma com o patrono escolhido pelo seu primeiro ocupante. Dela herdou também os ritos do pedido de voto, dos sucessivos escrutínios, do cerimonial de posse, o fardão (a partir de 1910), o colar e a espada - a espada do defensor das letras e da literatura e da cultura.

No primeiro grupo, dois sergipanos pontificam: Tobias Barreto de Menezes, patrono da cadeira no. 38, hoje ocupada pelo Senador José Sarney ao qual devemos a segunda edição das obras completas do sergipano nascido em Campos do Rio Real, e Sílvio Romero, ocupante da cadeira no. 17, cujo patrono é Martins Pena.

Um brasileiro, vindo do Norte, do Estado do Pará (Óbidos), fundador da cadeira no. 28, ornada com o nome de Manoel Antônio de Almeida, tem uma ligação com Sergipe. Exerceu aqui, entre 1881 e 1882, a presidência da Província, nomeado pelo Imperador. É Herculano Marcos Inglês de Souza, o autor de "O Missionário", que marcou sua passagem por aqui com medidas educacionais avançadas para a época, com a criação de salas mistas nas escolas, a vitaliciedade da cátedra para os professores com curso normal e o fim da obrigatoriedade do estudo de Religião, ocasionando uma polêmica com o Vigário de Aracaju, o futuro Mons. Olímpio Campos, através da imprensa.

Era considerado o

(...) ousado Lutero de nosso ensino para piorar a educação das escolas sergipanas das benéficas e consoladoras doutrinas de Cristo [Gazeta de Aracaju, no. 114, de 3 de setembro de 1881. In: NUNES, Maria Thétis. História da Educação em Sergipe, Aracaju / Rio de Janeiro: Universidade Federal de Sergipe / Governo do Estado de Sergipe / Paz e Terra, 1984, p. 149]

Outros coestaduanos também pertenceram à Casa de Machado de Assis: João Ribeiro (eleito em 1898, na primeira vaga aberta), Laudelino Freire, que a presidiu, Aníbal Freire da Fonseca, e os irmãos Gilberto e Genolino Amado.

Se me é permitido sugerir, proponho a vós que estudeis a possibilidade de escolher um destes sergipanos ilustres para nomear uma das vossas cadeiras.

Mas ao longo da sua vida histórica, a Academia tem sido atacada por muitos, principalmente aqueles que, candidatando-se um dia, foram derrotados, ou ainda por que aqueles que não aceitando o "conservadorismo" da instituição renunciaram à imortalidade acadêmica. É o caso de Graça Aranha, que em seguimento à Semana de Arte Moderna rompeu com a casa, afirmando que ela devia mudar ou, então, desaparecer.

No entanto, as Academias não mudam, nem desaparecem como nos diz Pedro Calmon. Elas permanecem ao longo da história dos povos, adaptando-se, é verdade, aos novos tempos, vivendo todas do sucesso de seus membros.

Renovam-se com os acadêmicos, a sucessão, a gente nova, ou antes, os rebeldes de ontem, que cristalizaram na fina arte, a inconformidade brilhante, e deixam de demolir (que há tempo para cada coisa) e passam a edificar. Ao protesto de Graça replicou, magistral na opulência vocabular, um "conservador" de 1924, que fora por sua vez um revolucionário de 1890: Coelho Neto e o erudito criticismo de João Ribeiro. Correram os anos, e vários daqueles prosélitos da revolta coruscante substituíram nas poltronas azuis da serena Casa de Machado e Nabuco, os velhos escritores, os poetas parnasianos. [CALMON, Pedro. História do Brasil, v. 7, Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1971, p. 2397].

"C´ est la vie" - diriam os franceses.

E passados cento e quinze anos da fundação ai está a Academia Brasileira de Letras, cumprindo o seu papel de reunir a inteligência nacional. Está tão viva e desempenhando a sua missão agregadora, como o foi desde o início, dos diferentes, dos opostos no campo político e, mesmo, intelectual.

A ACADEMIA SERGIPANA DE LETRAS

Senhoras e Senhores Acadêmicos,

Minhas senhoras

Meus senhores

Se a Academia Francesa inspirou a Academia Brasileira, esta serviu de modelo para as Academias dos Estados e de muitos Municípios, como a que instalamos hoje nesta cidade - a primeira entre todas - aquela que terá a precedência entre as coirmãs, pois já se fala na criação de Academias em Itabaiana e em Tobias Barreto.

Como o Brasil, Sergipe criou primeiro o seu Instituto Histórico. Isto há precisos cem anos, completados no último dia 6 de agosto.

Mais tarde surgiria a Academia Sergipana de Letras.

Antecedeu-a a Hora Literária, uma instituição recreativa, fundada a 1º de abril de 1919, e transformada em "sociedade literária de caráter acadêmico autônomo", como decidiu sua assembléia geral de 17 de julho de 1927.

Suas reuniões aconteciam primeiro numa casa na rua de Japaratuba (atual João Pessoa), sob a presidência do General José Calazans, passando mais tarde os encontros serem realizados na residência do Coronel José da Silva Ribeiro, no alto do Santo Antônio, razão pela qual alguns autores a denominam de Hora Literária do Santo Antônio.

(...) nestas reuniões eram comuns a discussão de assuntos de natureza literária, a prática da récita, a comemoração de datas cívicas, a recepção de novos sócios e a homenagem a artistas e intelectuais afamados como Benvenuto Cellini, Gilberto Amado e Jackson de Figueiredo. Uma outra atividade desempenhada pela associação foi a publicação do jornal Santo Antônio que circulou de 1926 a 1930 e contava com a colaboração da Intelectuais festejados na província (SOUZA, Cristiane Vitório. A República das Letras em Sergipe, In: DANTAS, Ibarê. História da Casa de Sergipe, São Cristóvão: Editora da UFS, 2012, p. 115-116).

A transformação da Hora Literária em Academia, formalmente constituída, era questão de tempo, pois neste quase final de década, robustecia-se no seio da intelectualidade da terra a idéia de criação, para dedicar-se "ao cultivo e desenvolvimento das letras em geral e colaborar na elevação das artes e da cultura no Brasil e, de modo particular, em Sergipe (NASCIMENTO, José Anderson. In: ASL. O sodalício, Aracaju: J. Andrade, 1999, p. 9)

O quadro da época nos é traçado por Silva Ribeiro Filho.

(...) Na planície era crisálida; na colina criou asas que teriam de ser, no sombrio prognóstico de encanecidos e impenitentes pessimistas, a sua perdição. "Formiga - quando quer se perder..."

Realmente, em plena ascensão, quando mais viva e atuante - graças à cooperação de intelectuais amadurecidos -, autodissolvia-se a "Hora", para dar via a uma Academia de Letras.

A imolação gerou protestos, veementes mas inócuos, isso porque os meninos de ontem - tornando-se adultos - começavam a dispersar-se pouco a pouco (...) [RIBEIRO FILHO, Silva. In: Academia Sergipana de Letras. Obra citada, p. 14-15]

Tendo à frente do movimento o Poeta Garcia Rosa, que reunia intelectuais patrícios em sua residência, no Santo Antônio, ao lado da igreja da colina, foram dados os primeiros passos para constituir-se a Academia Sergipana de Letras, fundada finalmente a 13 de abril de 1929.

Para ela migraram dezesseis membros da Hora Literária, sendo os demais vinte e quatro acadêmicos escolhidos posteriormente.

Entre o grupo inicial, além de Garcia Rosa, encontravam-se nomes como Cleômenes Campos, Hermes Fontes, Magalhães Carneiro, Ranulfo Prata, Manoelito Campos, Rubens de Figueiredo, Clodomir Silva, Gilberto Amado, José Augusto da Rocha Lima, Dom Antônio dos Santos Cabral, Monsenhor Carlos Carmelo Costa, Manuel Santos Melo e Helvécio Andrade, expoente do Direito, da Literatura, da Memorialística, da Oratória Sacra e do Magistério, ainda, que alguns não mais vivessem entre nós.

Registra José Anderson Nascimento que, vinda da entidade antecessora, Etelvina Amália de Siqueira teria pertencido à plêiade de fundadores da nossa Academia. Era, sem dúvida alguma, um avanço em relação à Academia Brasileira de Letras que, como a Francesa, vetava a entrada de mulheres naquele cenáculo da Cultura.

Os registros disponíveis não nos permitem precisar as razões que levaram Etelvina de Siqueira a afastar-se ou ser afastada da instituição. Contudo, eu acredito que, na origem desta situação, está o princípio adotado pela ABL em não acolher, em seus quadros, as mulheres.

Esta situação seria rompida, na França, com a eleição da belga Marguerite Yourcenar (1980), de Rachel de Queiroz (1977) e de Núbia Nascimento Marques em nosso Estado (1978).

Ao saudar o Acadêmico Jorge Carvalho do Nascimento, o também Acadêmico Luiz Antônio Barreto, falecido neste ano, cuja memória pranteamos, lembra o sentido da Academia.

A ACADEMIA SERGIPANA DE LETRAS é, por excelência, uma casa de Sergipe. Nela o tempo renova, continuamente, a tradição da cultura dos sergipanos, na representação presencial das suas 40 cadeiras, todas elas efetivas e perpétuas. Cada cadeira um Patrono, um fundador, e ocupantes sucessivos, no conjunto orgânico que imortaliza a sua sobrevivência. Em que consiste, para esta casa de acadêmicos, a imortalidade? Ela não se faz pela leitura e nem pela escrita, não se tem pelos livros os seus autores, mas pela evocação das lembranças, sempre emocionadas, dos antecedentes, que ocuparam as cadeiras da casa.

É, portanto, pranteando a morte, com o carpir sentido da saudade, que revisitamos, um a um, os imortais do sodalício, como se faz nesta noite, quando a festa da entrada acadêmica imanta na formalidade estatutária, todo o sentimento da ausência (...) [Discurso de recepção ao Acadêmico Jorge Carvalho do Nascimento, proferido pelo Acadêmico Luiz Antônio Barreto na sessão solene realizada no dia 13 de julho de 2000. In: Revista da Academia Sergipana de Letras, no. 35 (2005), p. 38]

A ACADEMIA GLORIENSE DE LETRAS

Minhas senhoras:

Meus senhores:

Agora devo me referir a vós. Aqui, nesta cidade, com toda razão conhecida como a "Capital do Sertão", vós vos associais para criar uma Academia de Letras, irmanando homens de pensamento com o fim de incentivar e promover as letras, as artes em toda esta região.

Vós sabeis que muitos vos criticarão por haverdes constituído este sodalício, bem como por vos tornardes acadêmicos. Deveis sobrelevar as críticas dos que não têm razão. Lembrai-vos da frase de Rousseau segundo a qual "as injúrias são as razões dos que não têm razão".

"Ad gloriam per litteras" é o vosso lema, resumindo, com certeza, todo um programa de ação que apenas se inicia nesta noite e se projeta no tempo para o futuro, para o infinito, com um sentido mais amplo: glória para esta terra, marcada pela inclemência do tempo, mas habitada por um povo indômito que se supera para vencer a adversidade.

Mas também a glória cinge-vos a fronte pelo poder de criação, de cultivar as manifestações superiores do espírito, ao contribuirdes para incentivar a cultura em nosso Estado, ainda que devais lembrar-vos, com modéstia, que a glória do mundo é tão passageira quanto a chama de uma vela ao vento, como lembrava um sacerdote ao cruzar em várias direções a basílica de São Pedro na cerimônia de coroação do Sumo Pontífice: "sic gloria transit mundi" ("assim passa a glória do mundo").

A vossa glória, Senhoras e Senhores Acadêmicos, está na imortalidade acadêmica. Esta consiste em serdes lembrados, mesmo na crítica, por vossos sucessores nas solenidades de posse, quando a praxe acadêmica obriga-nos a nos referirmos ao patrono da cadeira e a todos os vossos antecessores, e pelos pósteros.

O vosso compromisso primeiro está na responsabilidade de, sendo pessoas situadas num espaço geográfico determinado, cantar a vossa aldeia como uma forma de serdes universais, como se expressava Leão Tolstói.

Deveis fazer, como José Jorge de Siqueira Filho, patrono da cadeira no. 30, da Academia Sergipana de Letras, em "A Sergipe"

Sirigipe, és a flor da montanha

desbrochada no denso espinhal,

és a garça que sempre se banha

na corrente de claro cristal.

Sirigipe, meu céu de primores,

Sirigipe, meu berço de flores

que em teu seio gentil me embalaste,

porque os dias da infância tão belos,

porque os doces primeiros anelos

entre os prismas de sol misturaste

[SIQUEIRA FILHO, José Jorge; In: LIMA, Jackson da Silva. História da Literatura Sergipana, v. 2 (Fase Romântica), Aracaju: Fundação Estadual de Cultura, 1986, p. 319]

Ao fazê-lo, eminentes Acadêmicos, deveis ter sempre em mente que a ação de um intelectual é também a de ser um elemento de transformação da sociedade em que se insere, discutindo a realidade que o cerca.

Outra função é esperada de vós. É a de contribuir para o agenciamento da atividade cultural, fazendo dela um elemento de coesão social, disponibilizando serviços que o Estado, muitas vezes, não tem conseguido cumprir diante das múltiplas responsabilidades em fazer superar as disparidades regionais, e, sobretudo, a de integrar parcelas ponderáveis de pessoas que vivem à margem da sociedade nacional.

Por fim, mas não por último, cumpre às Academias levantar as características das sociedades onde se inserem, identificando os fazeres, os agires e pensares do nosso universo cultural, não como um trabalho amorfo, de simples diletantismo, do exótico ou do diferente. Cabe-vos, portanto, preservar a memória social.

Sois, numa visão do tempo tríbio - passado, que é ao mesmo tempo presente e futuro, na teoria esboçada e discutida pelo Mestre de Apipucos, Gilberto Freyre, guardiães do ontem, desde a Grécia, voltados para o futuro.

Senhor Presidente:

Senhoras e Senhores Acadêmicos:

Autoridades presentes:

Senhoras e senhores:

Urge que eu encerre minhas palavras para não se repetir, aqui e agora, o comentário de Carlos de Laet. A festa é vossa e nela eu sou um mero ator coadjuvante.

No passado, quando um rei morria, os circunstantes - pois, como dizia Luiz XIV, os soberanos nascem, vivem e morrem em público, sem vida privada - saudavam o defunto e o seu sucessor dizendo "O rei morreu! "Viva o rei!". "Vida longa ao rei!".

Hoje, num outro momento histórico, eu me inspiro nessa tradição e direi "A Academia Gloriense de Letras surgiu!". "Vida longa à Academia!".

Muito obrigado.