Entrelaçados com Carlos Alexandre

05/06/2022

Alguns cronistas lançam seu olhar sobre o cotidiano e extraem dele o inesperado, provocando-nos o espanto, o estranhamento. Estes nos arrebatam da letargia diária e nos fazem ver com o encantamento dos olhos infantis aquilo que nossas lentes adultas viciadas já nos tinham ocultado. Outros, no entanto, conduzem nossa vista para as banalidades cotidianas de uma maneira tal que nos reconectam com a essência da vida e das pessoas à nossa volta. Estes nos entrelaçam com às pequenas urgências da existência que pedem nossa atenção. Carlos Alexandre se filia a essa segunda classe de cronistas tão necessária, sobretudo em tempos difíceis como os de agora, quando é urgente humanizar-se e reforçar laços, para significarmos a própria jornada.

O olhar de Carlos Alexandre capta tudo em seu entorno. Revela-nos desde a cumplicidade de um casal de feirantes em nossa Senhora da Glória, numa atmosfera que nos conduz a um mergulho nesse ambiente peculiar, à reflexão sobre o machismo estrutural, a partir do conflito vivido por uma mulher que alimenta o insistente sentimento de esperança no amor, apesar da indiferença e frieza do marido. 

O autor entrelaça as vivências do seu entorno à sua própria experiência para tecer sua escrita. Assim, revisita a infância pelo aroma do barro molhado reconstruindo costumes e sensações da paisagem interiorana com suas texturas e sabores, ao mesmo tempo em que questiona a infância roubada a muitos brasileiros pela desigualdade. Reflete sobre a velhice e destaca a necessidade da autoaceitação e a importância de olhar para o outro, reconhecendo as etapas da vida e seus ensinamentos. Considera o valor incalculável da amizade, laço impossível de se desentrelaçar quando verdadeiro. Elo permanente, que inspira e fortalece.

Seu olhar também nos aproxima de duras realidades. As frustrações do professor no Brasil, nocauteado pelas adversidades vindas de uma sociedade que não compreendeu ser a educação um bem fundamental e não reconhece a saga diária desses heróis anônimos. Entrelaçada a essa realidade tão bem conhecida pelo autor, acompanhamos a trajetória de um jovem que, pelo trágico e pela dor, descobre não ser um herói e reconhece seus limites no alvorecer da existência. Mas também somos convidados a refletir sobre a necessidade de dar aos jovens as oportunidades para que se desenvolvam plenamente. 

Experimentamos por meio de suas crônicas companheirismo, poesia e força. Vemos a cumplicidade de um relato de viagem, na qual a descoberta de Cuba remete ao reencontro com a amizade e à identidade sergipana. Somos tocados pela visão poética e comovente da chuva caindo no sertão, como um milagre de vida, renovação e esperança. Contemplamos a mulher sertaneja na figura de uma parteira e uma professora, cada uma a seu modo dando à luz: uma facilitando a entrada da nova vida no mundo; outra permitindo que o conhecimento renove e transforme a realidade.

Seu ponto de vista, sempre generoso e amigo, divide conosco essas fotografias cotidianas de pessoas, lugares e eventos captadas por um humanista que elegeu a educação e a cultura como bandeiras de luta e nos presenteia com sua primeira publicação individual de crônicas. 

Que a leitura deste livro possa nos provocar reflexões para enfrentarmos o egoísmo humano, para que possamos, entrelaçados com seu autor, pintar a promissora tela do amanhã e que as cores desse porvir surjam de nossos laços humanos, demasiadamente humanos.

Boa leitura.

Jorge Henrique Vieira Santos

Professor e poeta