Discurso de Posse de Joelino Dantas

09/07/2016

DISCURSO DE POSSE NA CADEIRA Nº 15 DE MEMBROS EFETIVOS

  • Senhor Professor Jorge Henrique Vieira Santos, digníssimo Presidente da Academia Gloriense de Letras;
  • Senhor Domingos Pascoal de Melo da Academia Sergipana de Letras;
  • Ilustres acadêmicos, autoridades presentes, minha família, caros amigos,

Cumprimentando a minha família e a todos os presentes, quero agradecer, fervorosamente, à Academia Gloriense de Letras pela dádiva que me concede nesta noite, que se perpetuará inesquecível em minha memória.

Apenas aos 18 anos tive a oportunidade de ser matriculado na 2ª Série do antigo primário, no Educandário São Francisco de Assis. Depois, estudei no Dom José Vicente Távora e no Colégio Estadual Cícero Bezerra, onde, posteriormente, quando me formei, tive o prazer lecionar. Jamais poderia imaginar naquela época que um de meus alunos da antiga 7ª série do 1º Grau seria hoje o Presidente da Academia Gloriense de Letras e me daria a alegria de ser recebido neste seleto grupo nesta noite. Lá, no Cícero Bezerra e também na Escola Municipal Tiradentes pude ajudar a fomentar a cultura e o conhecimento em minha terra. Em 1989, migrei definitivamente para Aracaju, mas, mesmo longe da Glória, nunca a esqueci. Todo sarau de que participei lá estava seu nome.

Hoje estou aqui reconhecido e revestido de grande responsabilidade e sei que terei de embrenhar-se nas trilhas da arte literária, para que a força, o clamor, a chama da minha poesia possa alcançar outros poetas esquecidos nos recôncavos do meu sertão. Reconheço a missão que assumo nesta noite e espero poder cumpri-la a contento.

Já iniciando o cumprimento dessa missão, qual seja, a de manter vivas a memória e a obra do Patrono da cadeira número 15 da Academia Gloriense de Letras, que honradamente passo agora a ocupar, cumpre-me falar de um grande gênio da literatura brasileira nascido em terras sergipanas, o poeta Hermes Fontes.

Hermes Floro Bartolomeu de Araújo Fontes nasceu na vila de Boquim/Sergipe, em 28 de agosto de 1888, três meses depois da libertação dos escravos no Brasil. No ano seguinte, seus olhos infantis viram o fim do império e o surgimento da República. Filho de camponeses, Francisco Martins Fontes e Maria de Araújo Fontes, começou as primeiras letras em sua terra natal, na escola do professor Leão Magno, mas aos oito anos foi estudar em Aracaju. Com fama de menino prodígio, matriculou-se na escola do professor Alfredo Monte. Seu talento e sua fama logo se espalharam pela escola, pela cidade, chegando ao conhecimento do Governador do estado de Sergipe, o Dr. Martinho Garcez, que, em uma festividade no palácio, mandou convidar o menino e ficou maravilhado quando a ele foi apresentado. Dois anos depois, o então Senador por Sergipe Martinho Garcez, leva-o como filho adotivo para o Rio de Janeiro, Capital da República Federativa do Brasil. Lá estudou no colégio Paula de Freitas e prestou exames no Ginásio nacional.

A orfandade marcará profundamente sua vida, saudade das irmãs, da terra, da fonte da mata.

Aos 15 anos, já escrevendo para jornais da cidade do rio de janeiro, organizou uma conferência literária intitulada LUZ, no teatro São João, de Niterói. Seu primeiro emprego foi nos correios, através de aprovação em concurso público, quando deixa a casa do Dr. Martinho Garcez e vai morar sozinho numa pensão no Catete. Foi oficial de gabinete do ministro da viação no governo do Epitácio Pessoa. Tornou-se membro da Comissão Nacional de Tombamento e Avaliação Patrimonial e membro correspondente da Academia Piauiense, sócio efetivo da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, Membro Honorário do instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

Bacharel em direito em 1911, não exerce a profissão e se dedica ao jornalismo. Seu belíssimo discurso, proferido em 20 de outubro de 1912 em solenidade pelo passamento de Tobias Barreto, reafirma seu talento. Fundou e trabalhou em diversos jornais fluminenses. Ainda jovem começa a escrever e publicar suas poesias nos jornais em que trabalhava.

O poeta sergipano foi autor de onze obras poéticas: Apoteoses (1908), Gênese (1913), Mundo em chamas (1914), Ciclo de Perfeição (1914), Miragem do Deserto (1917), Epopéia da Vida (1917), Microcosmo (1919), O Despertar (1922), A Lâmpada Velada (1922) e, por fim, dentro da sua agonia de vida, escreveu seu último livro: A Fonte da Mata (1930), derradeiro anseio da lira forte nas mãos fracas do poeta sofredor, sonhador. Vida... dor... infelicidade... desesperança... desilusão amorosa... solidão... morte. Além delas publicou um livro em prosa, Juízos Efêmeros (1916).

Sua poesia não se enquadra num estilo de época bem definido, foi considerado parnasiano, simbolista e pré-modernista, e há razões para esses julgamentos.

Embora seu livro de estréia, Apoteoses (1908), tenha sido bem recebido pela crítica, sobre ele, Rocha Pombo (1908) afirmou:

Hermes Fontes começa revelando-se desde as primeiras páginas de poesia... Ele não esperou que o entendessem, fez-se logo entendido, de um largo gesto disse-nos tudo. - é senhor da língua: e isso hoje é raro. O seu dizer é harmonia e é desenho. A sua expressão ilumina, dá relevo, como luz. Dir-se-ia que as emoções lhe saem da alma como concretizada em bloco de mármore. É o mais elevado prodígio da arte. O artista que consegue tais maravilhas há de chegar ao mais pasmoso dos milagres do gênio.

Encontrou algumas portas do reconhecimento fechadas no meio intelectual. Queria ser o Príncipe dos Poetas e membro da Academia Brasileira de Letras, não logrou êxito nas 5 vezes em que se candidatou. Até mesmo seu amigo, o poeta Olavo Bilac, negou-lhe o voto. Disse Bilac: "É, portanto, impossível para você o meu SIM, mas você começa agora a viver e há de achar muitas vagas, muitas, como a minha. Espero que VIVO, verei você na Academia".

Portas fechadas. Esquecido o brilhantismo de sua poesia, talvez seu porte físico não fosse apropriado ao mundo acadêmico: pequeno, feio, gago, cabeçudo. Envolveu-se então na organização da Academia Sergipana de Letras, seu nome figura na ata de 01 de junho de 1929, como fundador, na cadeira de número 16, tendo como patrono o poeta PEDRO CALAZANS.

O tempo se encarregou de colocar seu nome entre os maiores poetas de Sergipe no cenário brasileiro, tornando-o orgulho de nossa gente, ao lado de Laudelino Freire, Manuel Bonfim, Aníbal Freire, entre outros. Os anos fizeram seu prestígio e talento se espalharem de norte a sul do país, sendo homenageado e reconhecido no Recife e Minas Gerais por grandes poetas como gênio da poesia. Sua obra inspirou o crítico alagoano Povina Cavalcante, que dedicou dois livros a ele. Teve ainda poemas convertidos em composições musicais como "Luar de Paquetá" e "Beira do Mar", em parceria com Freire Pinto, que fizeram sucesso na voz de Orlando Silva, Carlos Galhardo, Carlos Silva e Francisco Alves. Ainda hoje são reconhecidas entre as mais belas modinhas brasileiras de todos os tempos.

Em vida, desilusões amorosas, traições, desequilíbrios emocionais, contribuíram para sua clausura, seu isolamento social, cultural. Solitariamente, viveu os últimos anos de sua vida. Em seu livro A Fonte da Mata, parecia anunciar o fim das suas chagas, da sua agonia, do seu calvário. Não lhe valeram os estímulos de amigos e admiradores. Desmotivado, assiste em silêncio a renovação da poesia brasileira com geração de Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade, entre outros. Recolheu-se, em definitivo, saindo em silêncio, do cenário cultural.

Em seu livro Despertar, dedicado aos amigos João Ribeiro e Aníbal Freire, exalta a memória:

A Sergipe, terra de meu berço e berço do meu pai

E em cuja entranha dorme sono eterno minha mãe,

Que lá teve berço e túmulo.

Hermes Fontes foi um angustiado, cheio de ternura e de amor. Enchia-o a revolta que nascia da incompreensão do mundo. Deu tudo de si mesmo e muito pouco recebeu. Todo feio, mas de uma alma rútila e luminosa, cheia das belezas da arte e do amor, levou uma vida de tristeza e desencontros, como vemos em seus versos:

Ó tristeza, ó das almas infelizes;

Minha mãe e filha! tristeza minha irmã.

Meu lar... perdi, sem que o perdesse,

Porque o deixei!

Tristeza, minha única alegria.

Moço - o moço mais velho de fadiga!

Pobre - o pobre mais rico de tristeza.

Estes são alguns dos gritos de desespero de sua alma de poeta. Um gigante num corpo de menino. Um gênio da poesia, da cultura brasileira, universal. Em sua grandeza, viveu rodeado pela indiferença dos intelectuais, medíocres, que defrontavam um gênio. Foi, de fato, um gênio, um gênio pobre e infeliz. Caráter íntegro, coração de ouro, permaneceu na obscuridade da vida. Seus livros viveram quase desconhecidos pelos homens que preferiram ignorá-los. Pouco a pouco, sua alma encheu-se de desilusão e dor. Ferido, desanimado, buscou a liberdade através das portas do suicídio, em plena noite do Natal de 1930. Ele, que atravessou grande parte da vida sofrendo, "perdeu tudo no instante da colheita".

Diz Povina Cavalcante que Hermes era um homem piedoso, ia ao cair da tarde, orar numa Igreja da rua Mariz e Barros, orava e pedia por si e pelos amigos. Cria em Deus, aceitava o senhor com fé e sentimento. Dizia Hermes:

O homem vai alto, mais alto - plena altura!

Mas cansa e desce...

Ao vir de declívio em declívio,

Recorre à fé, e a fé o eleva e transfigura ...

Como se vê, sua angústia conhecia o remédio: o gênio da poesia tinha fé:

Creio, que importa o mais?

Creio num ser mais forte do que os fortes

- Um Deus perdão, um Deus justiça,

A esperança na vida

Auto revelação:

Quem sofre, vê mundos ocultos...

Neles, talvez, se oculte DEUS.

Nesta noite solene, em que assumo, perante meus pares, confrades e confreiras da Academia Gloriense de Letras, a missão de empreender esforços para garantir a imortalidade da memória e de obra desse ilustre gênio sergipano, tomo para mim o orgulho e a alegria contidos nas palavras de João Ribeiro, que escreveu: "Na terra em que nasci também veio à luz do dia esse grande poeta que é Hermes Fontes".

Para encerrar minha fala, é preciso que eu faça dois agradecimentos especiais: um ao acadêmico Domingos Pascoal, grande incentivador da cultura literária em nosso estado, e outro ao senhor Presidente da Academia Gloriense de Letras, Jorge Henrique Vieira Santos, uma centelha de luz na arte poética de Glória, que vai descortinando horizontes no coração da juventude do meu sertão.

Façamos por amor e devoção, que os frutos virão.

FONTES, HERMES - A fonte da Mata, antologia poética da sec. da cultura/SE, 2004.

BARRETO, LUIZ ANTONIO - Os grandes gênios, Infonet.

"Nem sempre uma ovelha desgarrada do rebanho é resgatada".