Discurso de Posse de Cacia Valeria

04/02/2021

DISCURSO DE POSSE NA CADEIRA Nº 12 DE MEMBROS EFETIVOS

  • Senhor Jorge Henrique Vieira Santos, digo Presidente da Academia Gloriense de Letras, em cujo nome cumprimento a todos os integrantes da mesa.
  • Senhor Domingos Pascoal de Melo, neste ato representando a Academia Sergipana de Letras, em cujo nome cumprimento todos os confrades das nossas coirmãs aqui presentes.
  • Ilustres acadêmicos, autoridades, minha família, caros amigos.


Cumprimentando a todos os presentes, quero agradecer a Academia Gloriense de Letras pela dádiva que me concede nessa noite. 
É uma grande honra fazer parte dessa instituição que tem como objetivo maior produzir e fazer circular a cultura. Constituída por homens e mulheres que marcam sua geração e evidenciam o prazer pela literatura e pelas várias manifestações da arte. 
Toda essa riqueza cultural que vemos hoje em Nossa Senhora da Glória não é fruto do acaso. Se hoje nos orgulhamos de ter a primeira academia de letras fundada no interior de Sergipe, não podemos nos esquecer daqueles que, num passado distante, começaram a semear as letras aqui no sertão. Devemos muito aos que desenvolveram, nestas terras, o gosto pelo ato de ler e escrever, pois o conhecimento formal foi e é uma ferramenta extraordinária para revelar janelas e portas no esconderijo de nós mesmos. 
Descobrir-se é um ato continuo que os primeiros educadores de nossa terra, no decorrer da trajetória educacional sertaneja, vislumbraram. Eles se descobriram professores. Foram suas experiências e a decisão contínua de perseverar no ofício de ensinar que permitiram que hoje pudéssemos ter um sertão repleto de "talentos do saber". 
Foi a primeira geração de professoras de Nossa Senhora da Glória que forjou com braço forte a segunda, a terceira, a quarta e tantas outras que ainda virão. 
A patronesse da cadeira nº 12 da Academia Gloriense de Letras, que honradamente passo a ocupar, a professora Maria da Glória Costa, foi uma dessas dignas professoras da primeira geração de educadores nascidos em nossa cidade.
Maria da Glória nasceu em 01 de Maio de 1907, no município de Nossa Senhora da Glória, na época ainda Boca da Mata. Primeira filha do casal Antônio Alves Oliveira e Ana Maria Oliveira. Além dela, o casal teve Alcino Alves Oliveira e adotou o sobrinho Antônio Alves Feitosa. A família Oliveira residia no povoado Fortaleza, onde "Glorinha" passou a primeira parte de sua infância. 
Apenas quando seus pais mudaram para a sede da cidade de Nossa Senhora da Glória, Glorinha iniciou os estudos, já na adolescência, com a professora Evangelina Azevedo. Desde o início, era perceptível o empenho da garota na leitura e escrita perfeita. Ela amava estudar e conseguiu concluir o 4° ano. Naquela época, o 4° ano era o ápice para o sertanejo e logo foi convidada pelo prefeito Ulisses Alves de Oliveira, primo de Glorinha, para assumir o cargo de professora no município de Nossa Senhora da Glória. Depois tornou-se professora Estadual. O convite foi recebido com euforia, pois estudar era para Glorinha a melhor das diversões. 
Ela gostava de ler livros e da Matemática. Esse universo deslumbrante da educação logo povoou seu coração de expectativa e esperança. Levantou-se no sertão mais uma missionária da educação. Com fé, prosseguiu, superando os obstáculos que lhe eram interpostos pelo caminho. Nada poderia parar um coração decidido a compartilhar o que havia aprendido. 
Ainda na adolescência, mais precisamente aos 17 anos, casou-se com Antônio Vieira Feitosa, que, na época, era Caixeiro Viajante e, logo após, vieram os filhos: Ailton Vieira Feitosa, Maria Anaide Amaral, Anilda Vieira Feitosa e José Almir Feitosa. A família crescia e as obrigações também, mas o amor ao ofício não a deixou parar. Prosseguiu a caminhada e repassou a função de dona do lar para a sua filha Anaide. 
A comunidade gloriense a chamava de "Dona Glorinha", esse termo estava repleto de respeito, devido ao ofício de Professora. Naquela época, o professor era respeitado como uma autoridade na comunidade, uma vez que, a maioria da população era analfabeta e carente desse profissional. 
Nas andanças do seu esposo (Antônio), ele contraiu uma febre na cidade de Manaus. Essa enfermidade o levou a óbito. Assim, aos 27 anos, a professora Glorinha ficou viúva. Dois anos e meio depois, casou-se novamente com Epídio Alves Costa, que, na época, era Policial, depois passou a ser Cabueiro e se aposentou como Agente Fazendário (atualmente Auditor). 
Em Nossa Senhora da Glória, Dona Glorinha ensinou na cidade e no povoado Angico. Naquela época, o caminho a Angico não era tão acessível e um dos poucos transportes era o cavalo, ou a pé. E, no lombo de um cavalo, a professora Glorinha iniciava o percurso de duas léguas (o que equivale a 12 km), com seus dois filhos do seu segundo casamento: Edézio Alves Costa e Maria Edilza Costa. As crianças eram levadas no caçoar. 
Ela ensinava dois turnos: o primeiro aos adolescentes e o segundo jovens e adultos. O segundo turno era recheado de desafios. À luz de candeeiro, recebia seus alunos, que percorriam um longo trajeto, geralmente armados, devido ao receio das andanças na caatinga durante a noite. A professora Glorinha dormia na casa do professor, que ficava ao lado da sala de aula, naquela pequena e simples escola rural. Ela iniciava sua saga na segunda feira e só retornava a sede da cidade natal no sábado. 
Sua vida foi marcada pela perseguição política. Por causa disso, foi retirada do município de Nossa Senhora da Glória e enviada para Riachuelo, depois Malhador, Frei Paulo, retornou para Glória, e depois foi lecionar em Aracaju. A hostilidade política entre os partidos era algo que percorria todo o Brasil. Os professores eram alvos de vingança e para não perderem o cargo muitos se sujeitavam a serem enviados a cidades muito distantes de suas residências oficiais. 
Essa situação dividiu a família de Dona Glorinha. Alguns filhos não se adaptaram nesses novos espaços e preferiram morar com os avós. Durante muitos anos, Dona Glorinha viveu separada dos filhos. Mesmo assim, abraçou o oficio de ser professora e suportou as dores da profissão. 
A história dessa docente, que faz parte da primeira geração de educadoras glorienses, juntamente com as professoras Esmeralda Reis, Marieta Bezerra Lemos, Leonor e tantas outras que forjaram com braços fortes a 2° geração de professoras glorienses. 
Foi através dessas mulheres simples, que apenas sabiam ler, escrever e contar, mas com muita vontade de aprender, que se iniciou o professorado sertanejo. Elas não eram, porém se tornaram professoras. Revelando que o querer, também é poder. 
Dona Glorinha faleceu aos 100 anos e dois meses. Seus ex-alunos ainda rememoram o legado que deixou. Sem dúvidas, a professora Glorinha foi e, por seu legado, continua sendo uma personagem de grande importância na construção educacional do município de Nossa Senhora da Glória. Por isso deve ser lembranda pelas gerações futuras. E, agora, através da Academia Gloriense de Letras, ela passa a ser imortalizada, sua memória será preservada, representando toda sua geração de professoras, pois acreditamos no que afirma Paulo Freire: "Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda".
Quero finalizar, fazendo justos e necessários agradecimentos.
Agradeço, primeiramente, a Deus, que me ajudou a superar os medos e a dislexia. Tive dificuldade para aprender a ler e, por isso, reprovei algumas vezes, mas Deus ouviu o meu clamor e me deu a graça de superar todas as dificuldades. E, finalmente, aprendi a ler. Além dessa experiência, outras tantas tive de superar e, se não fosse Sua companhia, força e inspiração, certamente não teria seguindo adiante, por isso devolvo a Ele o mérito de hoje, toda Glória é dEle. Desse modo, agradeço a toda Trindade Perfeito: Deus Pai, Filho e o Espírito Santo pelo seu amor incondicional. 
Aos meus pais, Manoel Elias de Rezende e Maria de Lourdes Santos Resende, que investiram na minha educação e caráter me ensinado que a vida é difícil, mas que podemos conquistar os nossos sonhos com perseverança, trabalho e dedicação. Foram eles, exemplos de conquista, revelando que a dignidade, humildade e caráter são virtudes dos fortes. Assim, vale a pena nutri-las e aguardar que a semente brote. 
Ao meu querido marido, Luís Antônio dos Santos, pelo incentivo, respeito e amor.
Aos meus amados irmãos: Carcia e Márcio que foram, são e sempre serão motivo de alegria, companheirismo e amor. Saibam que eu os amo. A minha cunhada, Ana Valeria, Wesly, minhas sobrinhas: Aissa e Carciely, e a toda a minha família meu muito obrigado. Vocês são muito importantes na minha vida. 
Às amigas, Valdenice e Kelly, pelos anos de dedicação mútua, respeito e amor. Meu muito obrigado. Vocês são muito especiais na minha trajetória. Eu sempre as terei na posição de amigas irmãs. 
Aos meus queridos mestres, em especial, Raylane Andresa Dias Navarro Barreto, aos membros da TVGlória, hoje Memória do Sertão, amigos e familiares de Dona Glorinha, que hoje vivem comigo esse momento especial da minha vida. Meu muito Obrigada! 
E a todos quantos fazem a Academia Gloriense de Letras, especialmente, aos meus confrades José Ancelmo e Jorge Henrique. Meu muito obrigada.