Cordel caipira e universitário

24/05/2021

Lembro meu tempo de infância, lá pelos meus nove anos, quando era dia de feira. À tarde, meu pai chegava sempre trazendo um livrinho chamado romance ou folheto, dependendo do tamanho. De 16 páginas para frente, era romance; de 8 páginas era folheto. Ele sempre comprava na feira, mesmo sem saber ler nada, era apenas um roceiro analfabeto.

À noite, todos tínhamos o prazer de ouvir aquele livrinho lido por meu irmão mais velho que já cursava o quarto ano na época. E eu não via a hora de poder ir à escola para aprender e poder ler quantos livros quisesse depois disto.

Foi quando surgiu o Mobral onde aprendi o ABC e a CARTILHA e que, juntando as letras, já conseguia ler os versinhos dos livrinhos hoje chamados de Literatura de Cordel ou Cultura Popular do povo brasileiro.

Meu irmão foi embora para o Sul e como eu que já sabia ler os livrinhos, então meu pai me nomeou o novo leitor das histórias nas noites em que nos reuníamos com os vizinhos para contar e ouvir histórias, orais ou lidas dos romances populares.

Meu pai veio morar na cidade. Estudei mais dois anos na escola pública e depois me tornei um vendedor de livrinhos nas feiras. Peguei a prática de cantá-los ou declamá-los para o público nas feiras por onde ia nos estados de Sergipe, Alagoas, Bahia e Pernambuco.

Com 12 anos de idade, eu já era folheteiro, nome dado aos vendedores de livrinhos de cordel, e me aventurei a escrever o meu primeiro livro, baseado nas histórias que lia de vaqueiros valentões. Criei um romance envolvendo meus pais, uma mistura de verdade e ficção com o título A LUTA DE SEBASTIÃO PELO AMOR DE SAUVELINA e comecei ler e vender nas feiras, igual aos dos outros poetas já famosos.

Hoje, aos meus 57 anos, tive o privilégio de ver as mudanças pelas quais o cordel passou. Deixou de ser o livrinho de diversão do povo, na sua maioria caipira, para atingir todas as classes sociais, adentrando desde as academias literárias até as escolas públicas como material didático.

Atualmente, aquela diversão que tínhamos através do cordel foi substituída pela TV, o videogame e o celular. Apesar de o cordel hoje estar inserido nas escolas e ter se tornado objeto de estudos, com a morte da maioria dos poetas do passado, não vemos mais serem escritos romances de encantamentos, bravuras e humorismo.

Hoje os novos poetas escrevem muita poesia com versos de cordéis e alguns livrinhos de cunho jornalístico reivindicando direitos e combatendo o racismo, o preconceito, o machismo, ou mesmo adaptando para o cordel algum livro catedrático, para serem usados nas escolas públicas.

Resta somente a saudade dos tempos de outrora, quando o cordel era nosso meio de diversão e que saudade!